sábado, 2 de maio de 2009

Quem espera sempre alcança.


120 anos! Cento e vinte anos. Meio século e quase um quarto de outro, desde que o mais proeminente político do vigésimo centénio português nasceu num casinhoto em Santa Comba (Dão).
39 anos! Trinta e nove anos, desde que o processo começado por uma heróica cadeira de lona se produziu no facto típico morte, cadeira essa que tomou a seu cargo o fim de um regime que em nada contribuiu para o avanço de Portugal, sendo apenas uma continuação do (triste) reviralho da 1ª República.
Pergunta o camarada e amigo Gui von Cupper no fim do seu post se “em 35 anos de democracia alguém fez tanto pelos interesses de Portugal , postos inclusive acima dos pessoais, como Salazar?”
Tenho de responder com um taxativo “Não!”, acrescentando ainda a palavra: “felizmente”, sendo a resposta completa: “Não, felizmente que não!”
Para as mentes que agora se indagam, passo a explicar. A Democracia tem uma diferença, e apenas uma, do regime autocrático*: a liberdade de pensar de forma diferente, e fazer valer esses ideais sem ter medo de ser prejudicado por aquilo em que se acredita. Ora, a Democracia vive da discussão, do confronto, do debate, pelo que para que este sangue democrático aconteça não pode existir uma figura de proa que polarize e centre em si a acção política. Assim, está bom de ver que, um dos maiores inimigos da Democracia é a não existência de políticos de qualidade que dêem vida ao confronto político de onde surgirá a ideia que melhor servirá a nação portuguesa. Então, não é de difícil compreensão que a democracia seja um sistema totalmente hostil à existência de uma figura proeminente que deixe todas as outras na sua sombra.
Com Sal Azar, e na generalidade dos regimes de punho firme, nada disto houve. Houve sim, uma prepotência assente na ideia puramente fantasista de que um homem, um mero homem, se poderia comportar como um bondoso pai de uma nação, apenas deixando a sua filha seguir no trilho por ele escolhido.
Meramente a titulo de exemplo, as maiores edificações políticas humanas aconteceram todas em Democracia, apesar de nem sempre esta democracia ser explicita. As cidades-estado gregas prosperaram em redor do Mediterrâneo em Democracia. Roma nasceu e cresceu viçosa, enquanto era guiada por um Senado, que decidia democraticamente (curiosamente caiu aquando da concentração de poder no Imperador). A expansão portuguesa, na sua fase de glória e ímpeto, foi sempre decidida após conselho das cortes ao Rei (findou com a introdução da inquisição e do centralismo absoluto). O Império Britânico e a hegemonia Norte Americana são obvias demais para explicar, não?
Sei que é um cliché, mas não resisto a cá deixar a marca da ferradura de Churchill: "A democracia é a pior forma de governo, excepto todas as outras que têm sido tentadas de tempos em tempos."

Já agora que se fala dele, veja-se o que o Homem de dura natureza (dura como a terra em que nasceu) disse acerca dele ter batido a bota (mais propriamente botins, no caso em questão).

Coimbra, 27 de Julho de 1970 - Morreu Salazar. Mas tarde demais para ele e para nós, os que o combatíamos. Para ele, porque não morreu em glória, como sempre deve ter esperado; para nós, porque o não vimos morrer na nossa raiva, na nossa humilhação, na nossa revolta. Viveu a frio conscientemente, envolto numa redoma de severidade gelada, a meter medo, e acabou por morrer a frio inconscientemente, numa preservada agonia amolecida, a meter dó. A doença desceu-o de super-homem a homem, e, a duração dela, de homem a farrapo humano. E, quando há pouco chegou a notícia de que se finara de vez, nenhum estremecimento abalou o país. Nem o dos partidários, nem o dos adversários. Para uns, a sombra definitiva do cadáver sobrepôs-se apenas à bruxuleante luz do ídolo; para os outros, o sentimento de piedade cobriu cristãmente o ressentimento sectário. A obra de domesticação nacional estava realizada há muito por uma tenacidade dominadora que utilizava apenas as qualidades negativas do português, e não tinha outra sabedoria do tempo senão a lição da rotina sancionada nos códigos do passado. A fome de aventura, a inquietação da liberdade, o alento da esperança, o orgulho, o brio, a alegria e a coragem - tudo fora sistemática e impiedosamente apagado na lembrança da grei. Daí que se não vislumbrem quaisquer sinais de tristeza aterrada, e, menos ainda, de euforia redentora. A nação inteira passou, sem qualquer sobressalto, de respirar monotonamente com ditador, a respirar monotonamente sem ele.
Miguel Torga in Diário XI, edição do Autor, 2.ª edição revista, 1991 – 1.ª edição de 1973
* é obvio que a democracia não tem apenas uma diferença da ditadura, mas no post não vêem ao caso.

8 comentários:

Miguel Pereira disse...

"o fim de um regime que em nada contribuiu para o avanço de Portugal, sendo apenas uma continuação do (triste) reviralho da 1ª República."

Não é um bocado redutor dizer que o Estado novo não contribuiu em nada para o avanço de Portugal?

Por exemplo, sabes quando é que surgiu o primeiro plano nacional de vacinação? Não é uma contribuição simpática?

Então e o equilibro das Finanças?

E a neutralidade na II Guerra Mundial bem como a captura de fundos do Plano Marshall? Também foram coisas bem feitas não foram?

Não trouxe grandes melhorias na rede de ensino e de cuidados de saúde? Não fez obras públicas de grande importância?

Uma coisa é estar contra o Estado Novo. Nisso estamos de acordo.

Outra coisa é querer fazer passar a imagem de que este não contribuiu em nada para o país e com isso eu já não posso concordar, porque é no mínimo uma desonestidade intelectual.

m.v. disse...

Esta resposta ficou maior que o pretendido, e agora vai ser chata de ler. Aguenta-te.

não sei se destes por isso, mas este post não fala do Estado Novo, fala antes do botas que was running the whole thing, e da relação entre a proeminência da figura singular vs. a figura plural, na ditadura e na democracia.

mas já agora para que não vás a achar que eu não respondo e me limito a ignorar os teus factos deixa-me só referir o seguinte:

. o plano nacional de vacinação aconteceu por pressão internacional, já que Portugal era em 1965, um dos poucos paises da Europa em que ainda havia casos de poliomielite e malaria. Relacionou-se também com o facto de os soldados combaterem em África e estarem vulneráveis à bicheza microscópica que por lá havia.

. a neutralidade portuguesa foi um acaso assente em razoes económicas e geo-estrategicas: razões económicas prendem-se com o facto de Portugal ser um dos exportadores mundiais com maiores reservas de volfrâmio, que tanto davam para abastecer os aliados, como os eixos;
razões geo-estrategicas, pois os aliados operavam diversas bases aéreas em Portugal e uma base aero-naval em cabo verde, logo os eixos encontravam uma posição já defendida e de difícil captura. Juntando a isto as colónias africanas estavam muito longe da metrópole, logo a resistência a uma invasão poderia ser comandada de longe e com largo numero de efectivos coloniais.

. no que toca a rede de escolas e ensino achas que um índice estimado entre 56% a 62% de analfabetos é sinal de sucesso? Achas que só 8% (não tenho certeza do valor) da totalidade de alfabetizados a chegarem ao ensino superior é uma meta decente?

. no que toca a cuidados de saúde, não tenho bem a noção dos avanços realizados, mas tenho a sensação que a longevidade media do português era bem mais baixa do que a do europeu ocidental.

. obras publicas de relevo tens a ponte sobre o Tejo, uma ou duas pontes lá pra cima, no Porto, a barragem de cahora-bassa em Moçambique e o estádio nacional.

. equilíbrio financeiro do Salazar não foi lá grande ciência. Quem não gasta, não tem contas a saldar.

.Plano Marshall foi uma decorrência do . 2 lá de cima.

Obviamente que reconheço que o Estado Novo não foi uma época de marasmo completo, em que nada se produzio (O Benfica foi campeão europeu 2 vezes, e o Eusébio foi considerado monumento nacional, ou lá o que foi!), mas se for feito um saldo de evolução civilizacional, este é na minha opinião negativo (quanto à evolução política, parece que estamos de acordo.)

Miguel Pereira disse...

Pensei que ao fazer a citação estava a tornar claro que o meu comentário se dirigia não ao post em geral mas sim à frase citada. Erro meu.

Quanto às referências que fizestes em relação à situação da saúde penso que não são acertadas (ou então é a Wikipédia que está errada):

- Ainda não existe vacina para a malária. Quanto à poliomielite, a vacina mais eficaz surgiu em 1962, por isso não me parece que um atraso de 3 anos tenha sido suficiente para que se verificassem pressões internacionais.

- Tens razão quanto à esperança média de vida. Esta podia ser baixa, mas penso que no Estado Novo se deram passos importantes para inverter a situação.


Quanto ao ensino:

-Para mim, mais de 0.1 de analfabetismo é fracasso. Ainda assim a taxa de analfabetismo em 1960 era de menos de 40% (não queria fazer esta conversa ao estilo Governo vrs Sindicatos, mas pronto saiu). É francamente mau, mas mais uma vez pergunto: até então alguém fizera tanto pela educação?

Quanto às finanças e obras públicas:

- Se fez muitas obras públicas, obviamente houve despesa, que contudo não colocou em causa o equilíbrio financeiro.

- Ao que mencionaste pode-se acrescentar o aeroporto de Lisboa, a primeira auto-estrada do país e outras que poderia aqui referir.

Quanto à neutralidade portuguesa aconselho-te a leitura desta análise à Operação Félix: (http://www.areamilitar.net/analise/analise.aspx?NrMateria=38&p=1)

Não faço um saldo de evolução civilizacional negativo porque penso que o país efectivamente melhorou. Se melhorou tanto quanto podia? Acho evidente que não, mas ainda assim os progressos alcançados deviam ser reconhecidos.

Aguentei-me.

m.v. disse...

em 48 anos, pensa no que se poderia ter feito e não se fez, com a facilidade de não se ter um país destruido, como a Inglaterra, França, Alemanha e mais uns outros.

Só por curiosidade, porque é que achas que Portugal não melhorou tanto como podia?

Miguel Pereira disse...

Mais motivos haveria a enunciar (à posteriori é sempre mais fácil fazer este tipo de juízos, relativamente a qualquer governo de qualquer época) mas prefiro salientar estes 3 erros que para mim foram gravíssimos:

. Não soube gerir a questão da descolonização.

. Meteu-se numa guerra colonial que na minha opinião não podia ganhar e que não só gastou imensos recursos que seriam melhor gastos noutras áreas como ainda teve custos sociais bastante elevados.

. Não soube sair de cena. Se o Estado Novo tivesse preparado a transição para um regime democrático à semelhança do que aconteceu em Espanha, não se teria verificado aquele período de loucura colectiva no pós 25 de Abril que quase colocou o país numa guerra civil.


Esse exercício que me recomendas é interessante, mas haveria outros do mesmo género que poderiam ser feitos:

- e se os fundos comunitários tivessem sido melhor aproveitados?
- e se o ouro do Brasil não tivesse sido mal gasto?
- e se os Judeus não tivessem sido expulsos?

De todas as oportunidades de desenvolvimento perdidas as dos 48 anos de Estado Novo não são as piores. Se as dos passado tivessem sido aproveitadas talvez o Estado Novo nunca tivesse sequer existido.

m.v. disse...

por estranho que pareça, não podia estar mais de acordo.

(se bem que na cena da guerra colonial não temos o mesmo ponto de vista, mas acaba por no fim ser coincidente, daí que talvez isso fique pra outro dia, sem sucessões no panorama).

Gui von Cupper disse...

''Salazar rapidamente conseguiu impor a sua personalidade no Governo, o que lhe permitiu acumular a Pasta das Finanças com a das Colónias, considerados ministérios estratégicos, passando deste modo a controlar todo o Gabinete.
Os bons resultados financeiros que conseguiu (a 1 de Agosto de 1928 foi publicado o primeiro orçamento sem défice) transformaram-no num político prestigiado e muito homenageado.
A economia portuguesa foi beneficiada pela Segunda Guerra Mundial. Pela primeira vez desde o século XVIII, a balança comercial teve um saldo positivo, o que foi devido ao incremento do volume das exportações de matérias-primas, produtos alimentares e manufacturados para os países intervenientes no conflito e à redução das importações causada pelas dificuldades atravessadas pelos países em guerra''. E MV se podemos agradecer a alguém termos evitado a entrada na segunda guerra mundial agradece a Salazar pois ele soube verdadeiramente ser um '' politico '' no sentido da palavra, algo que muitos não se podem gabar! Pena que tantos anos a defender as nossas colónias tenham sido desbaratadas por péssimas decisões pós Abril!

m.v. disse...

sim gui von cupper, acho que sim...